30 de abr. de 2010

Mercantilização da doença

No livro Cem Anos de Mentira, de Randal Fitzgerald encontramos as seguintes informações:

Foi uma cirurgiã, Susan Love, quem revelou pela primeira vez um segredo da indústria farmacêutica, numa declaração que foi amplamente divulgada: "Mercantilizar uma doença é a mellhor maneira de mercantilizar uma droga". A osteoporose, um enfraquecimento dos ossos, tornou-se uma das primeiras doenças impingidas à população dos Estados Unidos como parte de uma estratégia de marketing. Segundo descreve John Abramson, a companhia farmacêutica Wyeth-Ayerst contratou, em 1985, uma empresa de relações publicas para estimular a preocupação do público quanto a osteoporose, ao mesmo tempo que a companhia oferecia uma droga terapêutica para reposição de estrogênio, chamada Premarin, como antídoto. As vendas do Premarin estavam estagnadas antes do início dessa campanha, mas o efeito causado pelos profissionais de relações-públicas, ao instilarem o medo na população, fez com que as vendas dessa droga aumentassem 40% no primeiro ano. Desde então, a publicidade de drogas farmacêuticas tem sido direcionada para provocar respostas emocionais em seus espectadores e leitores. Podemos perceber essa tendência nos anúncios publicitários de drogas para o diabetes do tipo 2, para o distúrbio do déficit de atenção e para a disfunção eréti1. Ainda mais recente é a campanha promocional de drogas para o combate da suposta "disfunção sexual feminina", promovendo a utilização do hormônio testosterona e do medicamento Viagra pelas mulheres - o que motivou uma censura à Pfizer e outras companhias farmacêuticas por parte da publicação médica British Medical Journal, devido à "criação de uma doença patrocinada por essas corporações".

Uma vez que apenas uma pequena porcentagem das novas marcas de drogas farmaceuticas introduzidas no mercado a cada ano realmente contém novos ingredientes, não deveria nos causar surpresa que a indústria farmacêutica exerça pressões sobre si mesma, de modo a criar uma indústria de doenças, para revitalizar as vendas das velhas marcas de suas drogras. Uma vez que nos dediquemos a apreciar o impacto dessas estratégias de marketing sobre nossos bolsos e sobre a nossa saúde, porém, podemos perceber quão perniciosa é a pressão que as companhias farmacêuticas exercem sobre nós. Esse tema é retratado de maneira impressionante no livro Generation Rx: HowPrescription Drugs Are Altering American Lives, Minds And Bodies ( numa tradução aproximada, Geração sob Receita Médica: Como as Drogas Vendidas Sob Prescrição Estão Alterando as Vidas , as Mentes e os Corpos dos Norte-americanos), de Greg Critser, cujo livro anterior foi Fat Land (Nação Gorda).

A indústria farmacêutica tem almejado atingir grupos etários específicos, chamando-os de "tribos farmacêuticas" , para fazer progredir suas estratégias mercadológicas voltadas para a criação de doenças. Alguns exemplos são "A Tribo dos Jovens de Alto Desempenho", que ingere coquetéis de drogas prescritas apelidados de "Coquetéis da Califórnia" , que consistem em Ritalina, Neurotin e Wellbutrin, medicamentos utilizados,respectivamente para o tratamento do déficit de atenção, da epilepsia e da depressão. Ou a "Tribo de Alto Desempenho de Meia-ldade, que abrange os "doentes imaginários" de meia-idade que pretendem prolongar a duração de suas vidas.

Isso resulta no fato de que metade de todos os americanos tomem ao menos uma droga sob prescrição médica todos os dias. Muitos deles chegam a tomar três ou mais, diariamente. Não admira que atravessemos uma epidemia de doenças hepáticas. Nós estamos sobrecarregando nossos fígados, rins e estomagos com drogas legalmente prescritas , cujas combinações podem produzir sinergias ainda não calculadas ou estudadas por ninguém..

Em seu livro, Critser cita um especialista em psicofarmacologia infantil, Glen Elliott, que se desespera diante do que as indústrias farmacêuticas estão fazendo a toda uma geração de jovens: "O problema é que a utilização dessas drogas excedeu em muito a base dos nossos conhecimentos. Vamos encarar essa questão: nós estamos fazendo experiências com esses garotos, sem monitorar os resultados".

Problemas de reprodução

Um grupo de 120 cientistas de todo o mundo reuniu-se em Praga, na República Tcheca, em maio de 2005, e emitiu um alerta e um apelo a todos os governos para que dedicassem atenção especial às "sérias preocupações acerca da elevada incidência de distúrbios reprodutivos nos meninos e homens jovens europeus". Esses especialistas em saúde identificaram como o principal suspeito de causar distúrbios endócrinos certas substâncias químicas, responsáveis por uma epidemia de anormalidades reprodutivas notada em todo o mundo. Estudos publicados na Pediatrics e em outras publicações médicas revelaram que, desde o início da década de 1960, tem ocorrido um aumento estimado em 40% no número de meninos nascidos -na Europa e Estados Unidos - com malformações em seus pênis e com sintomas de feminização.Outras estatísticas de saúde revelam uma história de horror semelhante quanto aos problemas reprodutivos.

• Ao menos 10% de todos os casais nos Estados Unidos são incapazes de gerar filhos, e esse número parece estar aumentando. Algumas comunidades no Canadá acusaram acentuado declínio na porcentagem de nascimentos de crianças do sexo masculino, representando, atualmente, apenas um terço de todos os nascimentos. Nas últimas duas décadas do século XX, houve um aumento de 400% no número de casos de gravidez tubária entre as mulheres dos países desenvolvidos.

• Clínicas de fertilização in vitro espalhadas pelos Estados Unidos assinalaram um vertiginoso crescimento na quantidade de embriões anormais produzidos por mulheres jovens e saudáveis, na casa dos vinte anos, que deveriam estar no auge de sua capacidade reprodutiva. Quase 80% dos 300 embriões coletados como amostragem eram anormais, segundo os autores de um estudo sohre reprodução, que apresentaram esses alarmantes resultados em duas conferências proferidas na Sociedade Norte-americana de Medicina Reprodutiva e na Sociedade Canadense de Fertilidade e Andrologia, em outubro de 2005, em Montreal. A incidência de defeitos genéticos em mulheres férteis poderia ser ainda muito mais alta, uma vez que apenas onze cromossomos foram testados para esse estudo. Especialistas especularam que "fatores ambientais" - um eufemismo para designar substâncias químicas sintéticas ¬poderia estar causando a rápida disseminação dessa degeneração.

• Amostras de esperma - coletadas em todo o mundo - foram submetidas a contagens de espermatozóides e comprovaram uma redução de 50%, ao longo do último meio século, e, durante o mesmo período, a incidência de câncer nos testículos sofreu um aumento de 600%. Na China, o país que se desenvolve mais rapidamente em todo o mundo, um estudo realizado em 2001 constatou que 85% dos estudantes universitários eram inférteis.

Essa lista de estatísticas revela, através de um padrão inconfundível, que algo está dando gravemente errado. Alguns desses desdobramentos poderiam, à primeira vista, parecer engraçados, caso suas implicações não fossem tão funestas.

Durante o verão de 2005, clínicas de Londres reportaram um aumento expressivo no número de homens que procuravam cirurgias para redução das mamas. Em apenas um ano, clínicas de toda a cidade receberam mais do que o dobro de clientes do sexo masculino buscando esse tipo de tratamento. "Hormônios contidos na comida que consumimos podem ser os motivos desse aumento", pondera Yannis Alexandrides, um cirurgião londrino, que relatou ao jornal The Sunday Times que praticava uma cirurgia de redução de mamas masculinas por semana - comparado a apenas uma a cada mês, poucos anos antes. Outros médicos relataram ao jornal suas suspeitas de que hormônios femininos, provenientes de pílulas contraceptivas lançadas ao sistema de esgoto - cuja água era reciclada e novamente distribuída - poderiam ser os principais culpados pela "desmasculinização" de tantos homens adultos.

Entre meninas de 8 anos de idade, nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Austrália, uma em cada seis mostra sinais de haver entrado na puberdade, com crescimento de seios, pêlos pubianos e até mesmo menstruação. Apenas uma geração atrás, somente uma em cada cem meninas de 8 anos mostrava sinais de puberdade, enquanto hoje em dia quase duas meninas em cada grupo de cem demonstram sinais de desenvolvimento sexual aos tres anos de idade!Este fenômeno tornou-se conhecido como "puberdade precoce". Um estudo publicado na revista científica Nature apontou para o fato de que o inicio da puberdade antes dos 10 anos de idade faz mais do duplicar as chances de as mulheres desenvolverem cânceres de mamas e de ovários ao longo de suas vidas.

O que é igualmente espantoso, é a elaborada racionalização adotada por muitos médicos ocidentais e pelas instituições médicas para explicar essas extraordinariamente rápidas mudanças no desenvolvimento sexual. Eles afirmam que a puberdade precoce não passa de um subproduto natural da melhoria da qualidade nutriciona1. Eles tentam tranqüilizar os pais quanto ao fato de suas filhas estarem experimentando um "furor hormonal", e que a menstruação na idade de 8 anos não deveria lhes causar preocupações, porque hoje em dia é considerado normal que a puberdade se inicie nessa idade. O que eles estão confessando, na verdade, é que as substâncias químicas sintéticas estão redefinindo o significado do termo "normal".

Para tentarmos entender o que está acontecendo, vamos principiar pela palavra "hormônio", que deriva do grego, significando "pôr em movimento". Isso é o que os hormônios fazem: eles ativam nossos processos metabólicos. Nossos hormônios, por sua vez, são regulados pelo sistema endócrino, uma série de glândulas entre as quais a pituitária, a pineal, a tiróide, as adrenais, o hipotálamo,a paratiróide, o pâncreas, os ovários e os testículos.

Substancias químicas capazes de desestabilizar o equilíbrio do sistema endócrino imitam os hormônios naturais, afetando qualquer uma - ou todas - das glândulas que produzem esses hormônios. Isso pode desencadear artificialmente ou interromper a produção natural de hormônios. Estrógenos associados ao sistema reprodutivo são especialmente vulneráveis aos desequilíbrios químicos, às vezes chamados de "misturadores genéricos" sintéticos. Mais de 50 substâncias químicas de uso cotidiano, desde impermeabilizantes até pesticidas, já foram identificadas corno causadoras de desequilíbrios hormonais. Várias dúzias de outras substâncias são candidatas a figurar nessa lista.

Um relatório sobre essas substâncias capazes de alterar o sistema endócrino (também chamadas HAAs - hormonally active agents; agentes hormonalmente ativos)publicado pelo Conselho Nacional de Pesquisas, uma ramificação da Academia Nacional de Ciências norte-americana, concluiu taxativamente, em 1999, que "efeitos adversos na reprodução e no desenvolvimento das populações humanas, da vida selvagem e entre animais de laboratório têm sido observados como consequência da exposição aos HHAs".

PCBs, DDT, dioxinas e outras dezenas de toxinas sintéticas armazenam-se nos tecidos gordurosos de peixes e outros animais e são transmitidas aos seres humanos que os consomem. "Essas substâncias químicas persistentes conseguem chegar ao sistema endócrino disfarçando-se como hormônios", escreveram os. três autores do livro Affluenza. "Trata-se de um caso mortal de falha nas comunicações. Quando os hormônios, nossos mensageiros químicos, são liberados ou suprimidos na hora errada e nas quantidades erradas, a vida é distorcida."

Estamos cercados por evidências de que algo profundamente errado está acontecendo com a natureza. E já não podemos dizer que não recebemos um aviso claro e prolongado. Esses padrões de anormalidades que, hoje em dia, constatamos na espécie humana, começaram a aparecer com freqüência crescente entre as espécies de vida selvagem, várias décadas atrás.

Peixes hermafroditas começaram a surgir nos Grandes Lagos (fazendo com que as gaivotas que os comiam também gerassem filhotes hermafroditas) mais ou menos ao mesmo tempo que espécimes feminilizados de vários animais da fauna selvagem apareceram no Lago Apopka, na Flórida, onde crocodilos machos nasceram sem pênis e tartarugas nasceram com características de ambos os sexos, simultaneamente. Mariscos hermafroditas apareceram ao longo de toda a costa da baía de Chesapeake, e uma elevada porcentagem de salmões selvagens no rio Columbia, no Estado de Washington, reverteram seu gênero transformando suas características sexuais de masculinas em femininas. Em 84% dos peixes analisados, os indivíduos cromossomicamente machos apresentavam a aparelhos reprodutores femininos. Altas concentrações de substancias químicas que imitam o estrogênio ¬como impermeabilizantes e o pesticida Atrazine - foram detectadas na água do rio. •

Ao longo do rio Potomac, em Maryland, ao menos 60% dos peixes examinados por cientistas, em 2003 e 2004, haviam sofrido mutações - tornando-se hermafroditas, ou revertendo de machos para fêmeas -, com indivíduos nascidos machos produzindo ovos no interior de seus testículos. Numerosas drogas farmacêuticas, que passaram incólumes pelas estações de tratamento de água e esgoto, foram detectadas no rio. "Nós podemos estar vendo apenas a ponta do iceberg, em termos do impacto cumulativo disso tudo", comentou Thomas Burke, presidente associado ao comitê de política para a saúde da Escola de Saúde Pública Bloomberg, da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Essas constatações tornaram-se particularmente alarmantes pelo fato de Washington D. C. - a capital do país - e outras cidades localizadas ao longo do Potomac retirarem seus suprimentos de água potável daquele rio.

Mutações similares têm surgido em todo o território dos Estados Unidos. Em testes realizados por biólogos da Baylor University em um riacho no Texas, foi constatado que indivíduos machos de uma espécie de pequenas carpas haviam sofrido mutações em razão da presença de medicamentos para o controle da natalidade, ali descartados por uma usina de tratamento de água. Quando o consumo nacional de Prozac duplicou, desde 2000, passando a ser consumido por 54 milhões de pessoas, mais da metade dos rios e córregos analisados pelo Serviço de Supervisão Geológica dos Estados Unidos mostraram que essa droga antidepressiva afetava o desenvolvimento e a reprodução de moluscos, invertebrados e peixes,. A professora de saúde ambiental Marsha Black, Universidade da Geórgia, descobriu que o Prozac afeta a vida aquática nos rios dos Estados da Geórgia e Mississippi mesmo em concentrações extremamente baixas, como menos de uma parte por bilhão - o que equivale a uma aspirina em um tanque de 3.875 a milhões de litros de água. Quase metade dos peixes expostos ação dessas drogas morreram prematuramente, outros cresceram defeituosos ou sofreram mutações e uma quantidade ainda maior agrupa-se em enormes cardumes totalmente confusos e desorientados, que nadam em círculos.